Uma fenomenologia da existência na obra “Acontecimentos na irrealidade imediata”, de Max Blecher
SANTOS, Pedro Godoy dos – USP
Orientador: Reinaldo Furlan
Agência de Fomento: PUB-USP
Palavras-chave: Max Blecher; Merleau-Ponty; Existencialismo; Fenomenologia; Literatura
O objetivo do presente trabalho é realizar uma leitura fenomenológica da obra Acontecimentos na irrealidade imediata (1936), de Max Blecher, a partir da filosofia de Maurice Merleau-Ponty, elaborada com maior fôlego em sua obra Fenomenologia da Percepção (1945). A obra de Blecher, situada no contexto histórico do surrealismo, faz uma tentativa de demonstrar o desmoronamento do mundo do narrador, espécie de alter-ego do próprio autor, através dos fenômenos da alucinação, da dissolução do espaço, do exarcebamento de sua sexualidade, de comportamentos mórbidos, enfim, de fenômenos que permitem ilustrar a fragilidade da existência que a todo momento é ameaçada pelo que ele chama de “irrealidade”, destituindo-lhe de um possível sentido para a sua vida. A compreensão dessas temáticas torna-se clara a partir da leitura dos escritos de Merleau-Ponty, fenomenólogo que abordou a crise do pensamento moderno, forma de pensar que buscava se desvincilhar do pensamento clássico e suas tentativas de tematizar a natureza por meio de conceitos deterministas, apagando qualquer tipo de ambiguidade nos fenômenos que, segundo o filósofo, constituem a própria experiência do homem enquanto inserido no mundo e se relacionando com a vida. Dessa forma, destaca-se o conceito de “corpo próprio”, empregado por Merleau-Ponty, como uma tentativa de demonstrar a fragilidade do pensamento objetivo, ao elucidar o caráter ambíguo do corpo que escapa das tentativas empiristas e intelectualistas de objetivá-lo, ora através do pensamento causal, por meio de hipóteses mecanicistas advindas da fisiologia, ora através do subjetivismo extremo, delegando à consciência transcendental todo o poder de constituir o mundo, apagando o corpo e seu caráter originário como fundamento da percepção. Assim, os fenômenos que Blecher narra em seu livro possuem uma relação profunda com o corpo, como a distinção entre o espaço geométrico e o espaço vivido fundado pelo corpo; o corpo como ser sexuado; a alucinação, como possibilidade da potência do corpo próprio de percepção de mundo. O uso da literatura como possibilidade de acesso aos fenômenos da vida é defendido por Merleau-Ponty em sua obra A prosa do mundo (1969), devido à capacidade única dessa arte de - através dos signos corriqueiros presentes no mundo humano – organizar a linguagem de maneira a construir significações novas, elucidando a formação do mundo que habitamos.