O caminho da ideia de propriedade de Grotius até Lock
OTTONICAR, Flávio Gabriel Capinzaki – UNESP
Orientador: Ricardo Monteagudo
Palavras-chave: Propriedade; Grotius; Filmer; Locke
Robert Filmer refutou a fundamentação de Hugo Grotuis sobre como se deu originalmente a aquisição da propriedade. O argumento de Filmer contra Grotius acabou se tornando uma ponte para o fundamento da ideia de propriedade que Locke apresenta nos Dois Tratados Sobre o Governo (1689). Segundo Grotius, em O Direito da Guerra e da Paz (1625), os seres humanos, receberam de Deus o direito comum de possuir os bens da natureza. Entretanto, o estado primitivo de comunismo original foi substituído por outro no qual os bens poderiam ser privativamente apropriados. Os indivíduos tornaram-se, então, cada vez mais ambiciosos e a propriedade, originalmente comum, tornou-se privada através de uma convenção. Ou seja, a propriedade privada surge através de um acordo entre todos. Assim, a propriedade comum instituída por Deus dá lugar à propriedade privada instituída pelo ser humano. A crítica de Filmer a esse argumento se encontra formulada no texto Observations Concerning the Originall of Government (1652). Filmer nota que seria improvável que todos os homens, em um mesmo instante, concordassem em transformar a comunidade natural de todas as coisas em domínio privado, pois, sem tal unanimidade não seria possível que a comunhão dos bens fosse alterada. Se um único indivíduo discordasse, essa alteração teria sido injusta porque aquele indivíduo tinha direito ao uso de todas as coisas, de maneira que, entregar a propriedade de qualquer coisa a uma pessoa significa roubar-lhe o direito ao uso comum. Dessa forma, se há um direito original à posse comum da terra e se a propriedade é estabelecida por contrato, o indivíduo pode, a qualquer tempo, desconsiderar o contrato que dividiu a propriedade para reestabelecer a posse comum. Para Filmer, a propriedade foi dada por Deus apenas para Adão e os monarcas que o sucederam. Locke, assim como Grotius, acreditava que a propriedade foi originalmente dada em comum aos indivíduos. Entretanto, para que haja propriedade privada, não é necessário que todos os coproprietários concordem com a partilha. Isso porque Deus deu o mundo aos indivíduos em comum, mas deixou-os em uma situação de penúria a qual os bens naturais por si sós não eram capazes de atenuar. Por outro lado, Deus deulhes também a razão para aprimorar os bens naturais. Por isso, o trabalho que aprimora os recursos naturais representa uma atitude racional e de obediência a Deus. O trabalho que um indivíduo despende sobre um bem – a terra inclusive – confere o título de propriedade. Por isso o peixe é propriedade de quem o pescou, o fruto na árvore é propriedade de quem o colheu e a terra torna-se propriedade de quem a arou. Ou seja, a propriedade primeiramente comum torna-se privada daquele que sobre ela despendeu trabalho. Dessa maneira, Locke mostrou como é possível a apropriação privada sem que seja necessária a concordância expressa de todos os seres humanos. A argumentação de Locke em favor da propriedade privada terá grande influência no desenvolvimento posterior da teoria do valor-trabalho, importante elemento das teorias econômicas do século XVII.